plural

PLURAL: duas opiniões diferentes no mesmo espaço


Reunião no condomínio Brasil

Juliana Petermann
professora universitária 


style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Confusão entre público e privado, falta de decoro, desrespeito institucional: esta poderia ser a descrição de uma reunião de condomínio, daquelas que tira qualquer pessoa do sério, mas é o resumo do que ocorreu em 22 de abril. Em meio a uma enxurrada de palavrões e expressões inapropriadas não apenas para o presidente da república - mas para qualquer síndico - vimos o trecho que contém a afirmação: "Eu não vou esperar f... a minha família toda (?) Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! (?)". Surpreendentemente, a divulgação do vídeo foi procedida por um estranho clima de decepção: aparentemente esperava-se por novidades em relação à possível intervenção na Polícia Federal. Tal clima de decepção, somado a uma avalanche de outros fatos políticos, soterrou a repercussão do vídeo da reunião ministerial em uma semana. Mas relembremos os sete melhores piores momentos: 


1. O presidente fala em armar as pessoas contra governadores e prefeitos, chamando-os de bosta e estrume;
2. O tema da reunião, em meio à pandemia, não tratava disso, embora nosso país já estivesse com 2.924 mortes na ocasião;
3. O programa Pró-Brasil, que seria o objeto de discussão, foi pouco ou quase nada abordado;
4. A ministra dos direitos humanos fala em prender prefeitos e governadores;
5. O ministro da educação propõe prender todo o STF e diz que odeia os termos 'povos indígenas' e 'povo cigano';
6. O ministro do meio ambiente sugere aproveitar a intensa cobertura jornalística sobre a pandemia para decretar mudanças infralegais na legislação;
7. O ministro da economia, em relação ao Banco do Brasil, declara: "tem que vender essa p. logo".

Sem objetivos, nem encaminhamentos

Não sei vocês, mas eu não toleraria esse comportamento nem do síndico do meu prédio. Tamanha falta de ritos, de legalidade e de respeito não são esperados nem para uma reunião de condomínio. Em entrevista para a Globo News, Clóvis Carvalho, ex-ministro da Casa Civil do governo de FHC, chamou a atenção para o que deve ser a ata daquela reunião: possivelmente não encaminha nenhum rumo a ser seguido pelo país. Rumo tão necessário no grave momento que vivemos. Foi nesse cenário que um encontro com as nossas principais autoridades políticas seguiu pouco a liturgia institucional: cada um falou o que quis, sem pauta, sem objetivos, nem encaminhamentos. Encontro que não era íntimo, mas público, e que ficará registrado nos arquivos da história nacional e, espero, na nossa memória.
Você já cancelou hoje?

Eni Celidônio
professora universitária  


style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">A moda agora é cancelar. Você gosta de amarelo e seu ator preferido gosta de verde? Cancela! Seu tio é Mangueira e ocê é Portela? Cancela! Você é Grêmio e seu primo é Inter? Cancela! Você gosta de funk e sua prima de sertanejo? Cancela! Ninguém mais aceita como amigo no Facebook quem pensa diferente. Nem vou entrar em pormenores, porque todos têm ideia do que estou falando. 

Estamos num momento em que as pessoas são reduzidas a gostos, times, posições políticas, uma espécie de metonímia moderna: você é reduzido a um gosto, uma opinião, isso é você. Não interessa o resto, se você é uma pessoa honesta, trabalhadora, nada! Interessa é que você gosta mais do McDonald do que do Burger King, e eu gosto do Burger King e pronto!
Não se argumenta mais, agora é "eu penso assim e acabou". Parece até algumas mães que conheci, que sempre respondiam com um sonoro "não vai porque eu não quero e acabou a conversa"...

Mais fácil cancelar do que argumentar

Vou dar um exemplo bem atual: um conhecido falava da prisão do ex-presidente Lula, e um sujeito comentou que era um absurdo alguém julgar uma pessoa sem saber quem realmente era. Pois bem, comentei uma bobagem qualquer e foi o suficiente para que a criatura afirmasse que eu "faço parte de um bando de ignorantes" e que sou "seguidora de milicianos". Isso que eu conversava com um conhecido meu e não com ele. Conclusão: ele fez exatamente o que condenou no seu comentário. Nunca me viu, não me conhece, mas me julgou. Vocês estão pensando que fiquei ofendida, que custei a dormir, que liguei pro meu psiquiatra? Não... Só estou mostrando como a internet está fazendo as pessoas agirem de maneira inconsequente.
Tudo isso que escrevi só tem um motivo: provar que as pessoas perderam a capacidade de respeitar o outro, num momento que tanto se fala em empatia, respeito etc... Nunca se falou tanto em respeito e nunca se desrespeitou tanto!
Fica mais fácil cancelar do que argumentar. Tira-se a pessoa dos contatos e resolve-se o problema.

Monteiro Lobato e o preconceito

É como o caso de uma aluna, que me mandou uma mensagem dias atrás sobre a proibição do Monteiro Lobato nas escolas, por ele ser racista, preconceituoso, etc. e pedia a minha opinião. Eu disse o que eu acredito que seja mais razoável: manter o texto do Lobato nas escolas e, a partir da leitura, discutir a questão do preconceito. Tirar o texto da escola me parece uma maneira de fingir que o problema não existe.
Cancelar não muda nada, exceto para quem cancelou. Está aí o caso da Anita que não me deixa mentir. Como diria Ibrahim Sued: os cães ladram e a caravana paaasaaaaa....

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